Isso, infelizmente, não irá devolver a vida às mais de 140 vítimas, mas as autoridades do país recebem carta-branca para tomar as medidas mais duras relativamente aos que apenas são capazes de assassinar inocentes.
É difícil comentar acontecimentos semelhantes aos que ocorreram na terça-feira em Peshawar ou há dez anos em Beslan – as emoções são demasiado fortes. Mas como já não é possível alterar nada, somos obrigados a refletir sobre o que terá falhado no passado e sobre o que deverá ser feito para evitar a repetição de tragédias semelhantes no futuro.
Podemos retirar várias lições dessa ocorrência.
Em primeiro lugar, as ações dos terroristas que atacaram a escola em Peshawar e mataram mais de 140 pessoas (dos quais mais de cem eram crianças), eram muito diferentes do “esquema clássico” de tomada de reféns. Os terroristas de Peshawar não avançaram quaisquer exigências, seu único objetivo era matar o máximo possível de pessoas, fossem adultos ou crianças.
O porta-voz oficial do Tehrik-i-Taliban Pakistan (Movimento Talibã do Paquistão, ou TTP) Muhammad Khurasani tentou mesmo dar fundamentação ideológica a esses atos, tendo declarado: “A nossa shura decidiu atacar esses inimigos do Islã em sua própria casa para que eles sentissem a dor da perda de seus próprios filhos.”
Dessa forma, o Taliban paquistanês declarou de fato uma guerra de extermínio não apenas contra as autoridades do país, mas a toda a população que não partilha de seus objetivos. Dessa forma é completamente excluída toda a possibilidade de haver quaisquer negociações de paz, apesar de ainda no início do ano existir a ilusão de se poder negociar alguma coisa com o TTP.
Parece que o governo do Paquistão finalmente percebeu essa dura realidade. Na quarta-feira, o primeiro-ministro Nawaz Sharif anunciou o levantamento da moratória sobre a pena de morte, que tinha sido decretada em 2008 pelo anterior governo de presidente Asif Ali Zardari. Dessa forma foi desfeita mais uma ilusão: a de que a não utilização da pena capital favorece a correção dos costumes da sociedade.
Ao contrário, segundo demonstrou o atentado realizado dois dias antes em Sidney, na Austrália, hoje nenhum país se pode sentir em segurança, mesmo que as leis que aí vigoram cumpram com rigor as normas da democracia liberal ocidental.
Se nos recordarmos uma história ainda mais recuada no passado, os atentados da Noruega em 2011, podemos afirmar que a pena ridícula a que Anders Breivik foi condenado pelo assassinato de 77 pessoas (21 anos de reclusão em uma prisão confortável) apenas estimula este tipo de atos.
Também é importante referir que, ao realizar o atentado em uma escola de Peshawar, o Taliban paquistanês não apenas se colocou ao mesmo nível com as forças mais cruéis, sem princípios e radicais como o Estado Islâmico (a quem os líderes do TTP juraram recentemente fidelidade), mas também provocou o repúdio mesmo das forças que até há pouco eram consideradas suas aliadas.
Assim, o movimento homônimo afegão tornou pública uma declaração em que o assassinato de pessoas inocentes é condenado e declarado como contrário ao Islã. Os talibãs afegãos também não são anjinhos, claro, mas existe uma grande diferença entre combates contra forças militares (em primeiro lugar, forças de ocupação estrangeiras) e o assassinato de crianças desarmadas, cuja única culpa é alguns deles terem nascido em famílias de militares.
Outra lição consiste em que hoje quaisquer tentativas para mudar o sistema político de qualquer país (mesmo que existam fundamentos de peso e plenamente justificados para o protesto) favorecem inevitavelmente apenas as forças extremistas mais radicais.
Foi o que aconteceu na Síria, onde as tentativas apoiadas pelo Ocidente para derrubar Bashar Assad resultaram no crescimento do Estado Islâmico. O mesmo ocorreu na Ucrânia, onde o movimento Maidan, inspirado pelo mesmo Ocidente, provocou o aumento do neonazismo. Da mesma forma, também no Paquistão os órgãos policiais, cujas atenções estavam consideravelmente desviadas para as ações de Imran Khan, falharam na prevenção do atentado de Peshawar.
Finalmente, a conclusão principal consiste em que, da mesma forma que o terrorismo se tornou há muito tempo em um fenômeno transnacional que não reconhece fronteiras, o combate ao mesmo também deve deixar de ser assunto para cada país em particular e exige a criação de uma frente unida global.
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