No último fim de semana, a histórica cidade de Natividade, a 218 quilômetros de Palmas, relembrou uma das suas maiores e tradicionais celebrações religiosas: a Festa do Divino Espírito Santo, realizada há mais de 100 anos, herança de uma tradição originada em Portugal. Os pontos auge do evento – as Festas do Capitão do Mastro e a do Imperador do Divino – atraem a cada ano mais turistas de outras cidades e estados. Este ano, teve como Imperador do Divino Artur Ribeiro Rodrigues e como Capitão do Mastro, Marcel Araújo.

“A demanda provocada pelo turismo neste período ainda não chega a provocar aumentos expressivos na economia local, mas já se percebe a vinda crescente de pessoas de outras cidades”, observa a historiadora Simone Camelo, que participa da organização do evento há anos. Segundo ela, os Festejos do Divino de Natividade vêm despertando o interesse de pesquisadores de outros estados, além de propiciar o retorno de nativitanos que residem em outras cidades. “Geralmente escolhem essa oportunidade com o interesse de rever a tradição, parentes e amigos”, completa.

O propósito de participar da Festa do Divino reuniu os amigos João Horácio, cirurgião dentista, de Gurupi; Wel Castro, servidor público de Dianópolis; Adilson Parente, vendedor, de Palmas; Domício Júnior Camelo, advogado nativitano que mora em Goiânia e já foi Capitão do Mastro em 2008. “Venho todos os anos pela Festa e encontrar a familiares e amigos”, disse Domício.

O mesmo sentimento motivou Flávio Suarte a trazer o grupo Miracema Pedaladas para Natividade neste fim de semana. Composto por 10 ciclistas e três pessoas de apoio, saiu de Miracema na manhã de sexta-feira, 6, e pousou em Porto Nacional. Eles continuaram o percurso no sábado, chegando a Natividade por volta das 18h40. Ao ser interrogado sobre o porquê da escolha de Natividade, Suarte foi enfático: “porque é minha cidade natal, porque tinha o sonho de trazê-los para conhecer os pontos turísticos, nossa cultura e a folia do Divino”.

Mas o Divino também sabe cativar turistas de longe. É pela devoção a Ele e por apreciar os detalhes das Festas do Capitão do Mastro e do Imperador, que Antônia Severino sempre escolhe a data para vir de Teresina-PI para o Tocantins. Ela conheceu os festejos em 2008 e desde então não perde um. “Sempre trago uma amiga comigo”, destaca. Este ano, convidou Maria das Neves Vaz, que já fez planos para o próximo ano: “Quero vir e trazer a minha filha. É uma festa emocionante, muito bonita e envolvente”, expressa, completando: “isso sem contar com a cidade, que tem pessoas bastante acolhedoras”.

Os equipamentos turísticos, a exemplo da rede hoteleira, agradecem. “É um evento que sempre traz hospedes”, diz a proprietária do Hotel Serra Geral, Cirene Coelho. Ela ressalta que o índice varia de acordo com a influência dos festeiros. “Quando pelo menos um dos festeiros do Divino tem influência política ou parentes em outras cidades e estados, aí o movimento é grande. Caso contrário, o movimento diminui mas sempre temos hóspedes em decorrência da Festa”, comenta.

O comércio de bebidas é beneficiado consideravelmente. A avaliação é feita por Marcione Araújo, um dos grandes comerciantes de Natividade. “Este ano foi muito bom”, diz, destacando que o volume foi direcionado aos produtos utilizados na confecção de bolos e bebidas ofertados pelos dois festeiros. “Somos em quatro o número de comerciantes que melhor atendem esta demanda. Pelo que estou sabendo, todos venderam bem”, avalia ele, acrescentando: “Somente nesses dois dias, vendi mais de 500 dúzias de água, cerveja e refrigerante”.

História da Festa

Segundo levantamentos de Simone Camelo, a Festa do Divino originou-se no Velho Mundo, no começo do século XIV, na Vila de Alenquer, próximo à cidade de Lisboa, em Portugal. Imperava o Feudalismo, ressaltando a fome, pestes e guerras, uma constante no cotidiano da população. Sua fixação deu-se em 1321, em Portugal, por iniciativa da Rainha Isabel. Ela propagou a fé no Divino em cumprimento de uma promessa, após alcançar a graça de obter paz no reino de Portugal.

No Tocantins, fontes históricas registram a realização dos Festejos do Divino na cidade de Natividade desde 1904, tendo Hermenegildo da Silva Carneiro, como Imperador. De lá até agora, tem-se o registro de 109 imperadores, responsáveis – com o apoio da Igreja e da comunidade – pela propagação da fé no Divino Espírito Santo, através dessa manifestação.

Festa do Capitão do Mastro

Realizada na noite do último sábado, 7, a Festa do Capitão do Mastro reúne os elementos profano e divino. Na tarde do mesmo dia é realizada a Esmola Geral, procissão na qual as Bandeiras do Divino são levadas de casa em casa, anunciando os Festejos e arrecadando “esmolas”. O momento dedicado ao Capitão começa com missa solene. Depois dela, uma multidão se desloca até a casa do festeiro, onde inicia-se uma procissão diferente dos padrões: o Capitão e a esposa, Rainha do Mastro, desafiam a lei da gravidade ao serem transportados pelas ruas do centro histórico da cidade, em cima de um mastro de aproximadamente cinco metros, em forma de pirâmide. Durante o trajeto, o mastro é sacudido, virado de todos os lados, de forma a provocar instabilidade. Cabe ao Capitão e família se manterem firmes contra as intempéries provocadas de forma alegre e descontraída.

A animação é ao som de sanfona, zabumba e triângulo e muita gritaria dos participantes, que carregam velas à base de cera de abelha serpenteadas em hastes de bambu de aproximadamente 70 centímetros. O percurso é definido por luminárias de buriti. As chamas partem de pequenas bases feitas em cascas de laranjas e são mantidas com a utilização de azeite de mamona. Um grupo de sússia – dança folclórica de origem africana – antecede a procissão com animação e sensualidade dos integrantes.

A animação não termina com a procissão. Ao término dela, o Capitão oferece uma festa para a cidade inteira e vizinhanças: regada a muito licor, paçoca de carne, bolos trovão, amor-perfeito e outras iguarias.

Festa do Imperador

De caráter mais formal, a Festa do Imperador deste ano iniciou-se por volta das 8h30, do último domingo, 8, com a coroação do Festeiro eleito ano passado, Artur Ribeiro Rodrigues. Coroação efetivada, Imperador e família real são conduzidos num cortejo, guiado por jovens carregando os sete dons do Espírito Santo, crianças vestidas de anjos e outros personagens, além de dezenas de fiéis.

A procissão segue até a Igreja do Espírito Santo, onde foi celebrada missa solene do Imperador, pelo bispo Dom Romualdo. Após a celebração houve o sorteio que definiu os festeiros para a Festa do próximo ano. Os sorteados foram Renê Pereira Pinto, para Imperador do Divino, e Douglas Tavares Pinto, para Capitão do Mastro. Após a missa, todos se dirigiram à casa do imperador, onde um farto almoço, acompanhado de bolos, doces e licores – preparados com os donativos arrecadados na comunidade e durante os Giros feitos pelos Foliões do Divino – foi servido.

Suzana Barros / Adtur