Em um dos maiores atos de rua da esquerda brasileira em anos, milhares de pessoas tomaram as principais capitais do país neste domingo (21 de setembro de 2025) para protestar contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem e o projeto de anistia a condenados por crimes antidemocráticos, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Os protestos, convocados por movimentos sociais, centrais sindicais e artistas, ocorreram em pelo menos 30 cidades e 22 capitais, com participação massiva da população insatisfeita com as iniciativas em tramitação no Congresso Nacional.
A PEC da Blindagem, aprovada pela Câmara dos Deputados em regime de urgência na última terça-feira (16/9), restabelece a necessidade de autorização prévia do Congresso para abertura de processos criminais contra parlamentares. Pelo texto, deputados e senadores teriam 90 dias para decidir, por maioria absoluta, se autorizam investigações solicitadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Defensores argumentam que a medida combate “abusos” do STF, enquanto críticos a chamam de “PEC da Bandidagem”, alegando que inviabiliza a responsabilização de políticos envolvidos em crimes.
Paralelamente, o projeto de anistia a condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 – incluindo Bolsonaro, sentenciado a 27 anos de prisão – teve urgência aprovada na Câmara. A proposta divide o Congresso: bolsonaristas defendem anistia ampla, enquanto relator Paulinho da Força (Solidariedade-SP) sinaliza uma alternativa de redução de penas (“dosimetria”).
Os atos foram marcados por discursos inflamados, apresentações culturais e críticas diretas ao Congresso. Em São Paulo, cerca de 40 mil pessoas se reuniram na Avenida Paulista, segundo estimativas do Cebrap e da ONG More in Common. Cartazes como “Congresso inimigo do povo” e “Sem anistia” dominaram a cena, enquanto parlamentares como Guilherme Boulos (PSOL) e Edinho Silva (PT) criticaram a votação da PEC por parte de 12 deputados petistas, classificada como “erro”.
No Rio de Janeiro, um show gratuito em Copacabana reuniu artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque. Caetano, em vídeo nas redes sociais, conclamou: “A gente tem que ir pra rua, pra frente do Congresso, como já fomos outras vezes” . Em Salvador, Daniela Mercury e o ator Wagner Moura lideraram um trio elétrico, enquanto em Brasília, manifestantes marcharam do Museu Nacional em direção ao Congresso, carregando um boneco inflável de Bolsonaro com as mãos ensanguentadas.
A mobilização popular ocorre em um momento crítico de negociações no Congresso. No Senado, onde a PEC da Blindagem será analisada, relator Alessandro Vieira (MDB-SE) já adiantou que recomendará a rejeição da proposta, classificando-a como “prejudicial à democracia”. O presidente da CCJ, Otto Alencar (PSD-BA), também se posicionou contra, chamando o texto de “retrocesso”.
Quanto à anistia, o relator Paulinho da Força busca uma solução intermediária de redução de penas, evitando o perdão total. Essa alternativa, no entanto, enfrenta resistência tanto da esquerda – que rejeita qualquer benefício a golpistas – quanto de bolsonaristas, que exigem anistia ampla. O presidente Lula já declarou que vetaria qualquer projeto de anistia, mas o Congresso poderá derrubar o veto.
Protestos simbólicos também ocorreram em cidades como Londres e Berlim, onde brasileiros exilados e simpatizantes da democracia manifestaram repúdio às propostas. Em Berlim, cartazes criticavam o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), um dos articuladores da PEC
Pesquisa Datafolha da última semana indica que 54% da população se opõe à anistia para Bolsonaro, enquanto 39% apoiam a medida. A rejeição à PEC da Blindagem é ainda mais ampla, com críticas transversais que vão da esquerda à direita moderada. Analistas políticos avaliam que os protestos reflectem um descontentamento popular com a classe política e podem influenciar a tramitação das propostas, especialmente no Senado, onde a resistência é maior.
As manifestações deste domingo marcam a rearticulação da esquerda brasileira após anos de mobilizações predominantemente conservadoras. Com participação massiva e apoio de ícones culturais, os atos sinalizam que as propostas de anistia e blindagem parlamentar enfrentarão forte oposição social e institucional. O desafio para o Congresso será equilibrar negociações políticas com a pressão das ruas, que ecoa o grito unânime: “Sem anistia e sem blindagem!”.
Por: Geovane Oliveira, com informações da BBC Brasil, Agência Brasil, DW, UOL, Brasil 247, Folha de S.Paulo, G1.