A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) condenou Jair Bolsonaro (PL) ao pagamento de R$ 1 milhão por danos morais coletivos decorrentes de “racismo recreativo”, nesta terça-feira (16), informa o Metrópoles. A condenação tem como pano de fundo comentários feitos pelo então chefe do Executivo a um apoiador negro, com cabelo black power, nos arredores do Palácio da Alvorada.
O relator da apelação, desembargador federal Rogério Favreto, votou por condenar Bolsonaro ao pagamento de R$ 1 milhão e fixou o mesmo valor para a União. Para o magistrado, “comportamentos e manifestações aparentemente desprovidos de intenções muitas vezes potencializam a estigmatização (…) sob falso argumento de brincadeira e fala jocosa”. Ele afirmou ainda: “A ofensa racial disfarçada de manifestação jocosa, ou de simples brincadeira, que relaciona o cabelo black power a insetos que causam repulsa – no caso aqui, as baratas – e à sujeira, atinge a honra e dignidade das pessoas negras e potencializa o estigma de inferioridade dessa população”.
Os autos relatam que Bolsonaro, ao se dirigir ao apoiador negro, proferiu frases como: “Criatório de baratas”; “Olha o criador de baratas. Como tá essa criação de baratas?”; “Você não pode tomar ivermectina, vai matar todos os seus piolhos”; “Tô vendo uma barata aqui”. Para Favreto, tais declarações se enquadram como “ato de racismo recreativo, que procura promover a reprodução de relações assimétricas entre grupos raciais por meio de política cultural baseada na utilização de humor como expressão de hostilidade racial”.
Em voto convergente, o desembargador federal Roger Raupp Rios destacou o peso institucional das falas. “Não se podem menosprezar os efeitos de violência simbólica que falas usuais e reiteradas, com intenso conteúdo racialmente ofensivo, têm, quando proferidas por um agente público que detém a representação formal da República”, afirmou. Os magistrados também registraram que a tentativa de minimizar os comentários pelo próprio apoiador não elimina o dano coletivo: “Fica demonstrada a ofensa metaindividual, dado os efeitos muito além da pessoa a quem se dirigia à sua frente. A gravidade da ofensa é inequívoca (…) E, mais graves ainda, por atos praticados por alguém que se valia da condição de mandatário maior na organização estatal”.
No processo, o Ministério Público Federal pediu a condenação de Bolsonaro por dano moral coletivo e também responsabilização da União. A procuradora regional da República Carmem Elisa Hessel sustentou que “as declarações do réu, no caso, reforçam ideias preconceituosas e estigmatizantes sobre os cabelos das pessoas negras, com propósito de desqualificar a identidade e práticas culturais da população negra”. Para ela, “esse discurso, vindo do então representante máximo do governo brasileiro, contribui para o aumento do preconceito ao reforçar estereótipos negativos. A população negra, como ente coletivo, é titular do direito à proteção antidiscriminatória, reconhecido constitucionalmente”. O MPF pleiteou ainda que a União realize campanha publicitária nacional de combate ao racismo por, no mínimo, um ano, no valor não inferior a R$ 10 milhões, além de indenização conjunta de, no mínimo, R$ 5 milhões.
A defesa de Bolsonaro negou prática de racismo. Em manifestação ao tribunal, a advogada Karina Kufa afirmou que “a manifestação do recorrido nunca poderia ser vista como pretensão de ofensa racial por se cuidar de comentário, ainda que jocoso, relacionado a uma característica específica do seu interlocutor”. Segundo ela, “nada se abordou sobre qualquer aspecto que não o inequívoco comprimento do cabelo, pouco importando se o corte é black power ou não. Em nenhum momento da fala do réu, foi dito isso em relação ao formato do cabelo, mas, sim, ao comprimento”.
O julgamento no TRF-4 reformou sentença de primeiro grau proferida em fevereiro de 2023, quando a juíza federal substituta Ana Maria Wickert Theisen havia rejeitado pedido de condenação por dano moral coletivo. À época, a magistrada ponderou que “o dano moral coletivo não significa a somatória dos danos individuais dos integrantes da raça (supostamente) atingida pelas falas, porque constitui uma nova modalidade de dano, o qual tem por objeto a violação de um direito da coletividade considerada em si mesma vítima”.
O apoiador alvo das falas, o mineiro Maicon Sulivan, conhecido como “Black Power do Bolsonaro”, já havia defendido publicamente o ex-presidente: “o presidente tem essa intimidade para brincar”. Ele também declarou: “Dizer que eu não sou um negro vitimista e que tudo que eu conquistei foi fruto de trabalho e meritocracia. Nada me difere de uma pessoa branca, como eles querem separar”.
Fonte: 247