O governo federal anunciou no começo dessa semana, por meio de decreto oficial da presidente Dilma Rousseff, a homologação de três Terras Indígenas (TIs) nos estados do Pará e Amazonas. A decisão, coincidência ou não, procede a Semana de Mobilização Nacional Indígena, que levou mais de 1,5 mil índios para protestar na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, contra os constantes ataques dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário aos direitos indígenas garantidos pela Constituição Federal de 1988.
Totalizando mais de 230 mil hectares, os três novos territórios demarcados são: TI Arara da Volta Grande do Xingú (dos povos Arara e Juruna), TI Mapari (habitada pelos Kaixana) e TI Setemã (da etnia Mura).
Estes são territórios sem qualquer impedimento administrativo e jurídico, assim como cerca de outros vinte que estão com os processos paralisados na mesa da presidente. Há de se notar também que a TI Arara da Volta Grande do Xingú é uma condicionante da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, projeto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal.
“É pouco”, comenta Danicley Aguiar, da campanha de Amazônia do Greenpeace. “São mais de vinte demarcações congeladas, que precisam apenas de uma assinatura da presidente Dilma. Apenas três estão saindo do papel, sendo uma delas apenas com o intuito de viabilizar a Licença de Operação da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará”. A obra começou há quatro anos, em 2011. No entanto, só agora o governo federal concluiu a demarcação. “Não é mais que a obrigação, assim como os outros territórios fora de situação de conflito ainda pendentes”, defende Aguiar.
Segundo o estudo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), “Empreendimentos que Impactam Terras Indígenas”, pelo menos 204 povos e 437 TIs serão impactados por um total de 519 empreendimentos. São os grandes projetos do PAC e também do agronegócio que destroem a vida e a cultura dos povos tradicionais.
É a partir dos Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação, emitidos pela Funai, que se encaminha um processo de homologação de Terra Indígena. Mas quando esse relatório confronta o planejamento do PAC ou do crescimento do agronegócio, são automaticamente engavetados.
Exemplos existem por todo o Brasil. Afetada pelo crescimento do agronegócio, a TI Guyraroká, do povo Guarani, no Mato Grosso do Sul, teve seu processo de demarcação anulado após recente decisão do Supremo Tribunal Federal.
Outro exemplo, agora sob influencia de mais uma obra do PAC: a TI Sawré Muybu, perto de Santarém, estado do Pará, é habitada pelo povo Munduruku, que vem lutando contra a construção da Usina Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. O licenciamento da obra está sendo feito sem consulta prévia aos Munduruku, processo que é ilegal segundo a Constituição Federal. Se concluída a obra, diversos territórios sagrados desse povo serão alagados com o represamento do Rio Tapajós. No entanto, o Relatório Circunstanciado não sai da gaveta da Funai, e os indígenas acusam o governo Dilma de rasgar a Constituição.
Para Cleber Buzatto, diretor-executivo do CIMI, as homologações assinadas pela presidente é uma resposta do governo brasileiro à forte e ampla mobilização dos povos, que cobram com persistência a retomada dos procedimentos de demarcação. “Mas ainda são medidas tímidas, que não mexem na espinha dorsal do problema”, afirma ele.
O Greenpeace reconhece a importância da demarcação de Terras Indígenas para a reprodução física e cultural de mais de 200 povos tradicionais do Brasil, assim como para a conservação da floresta e seus serviços ambientais, uma vez esses territórios possuem o menor índice de desmatamento entre as áreas protegidas do País. O desmatamento é um dos grandes responsáveis pelas mudanças climáticas e também pela crise hídrica que assola os brasileiros.
Considerando o papel fundamental das TIs, avalia-se desastrosa a atuação do governo federal, que insiste em excluir da sua definição de crescimento e desenvolvimento a preservação das florestas e da vida e cultura dos povos tradicionais.