A tensão no Congresso Nacional atinge seu ápito no segundo semestre de 2024. Em pauta, uma das batalhas legislativas mais acirradas do ano: a flexibilização das regras da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), mecanismo do Código Florestal. Lideranças da bancada ruralista, com destaque para deputados do Tocantins, pressionam pela derrubada dos vetos presidenciais ou pela aprovação de projetos de lei (como os PLs 1.337/2022 e apensados) que esvaziem a necessidade de vistoria prévia para regularização de áreas.
Esta reportagem revela que, enquanto essa ofensiva política avança em Brasília, os principais compradores da soja e da carne tocantinenses – China e União Europeia – movem-se na direção oposta, criando barreiras comerciais intransponíveis para produtos de origem duvidosa. O estado, cujo PIB depende do agronegócio, pode pagar o preço mais alto por uma vitória política de seus representantes.
O QUE ESTÁ EM JOGO NA “GUERRA DA LAC”
O coração da disputa é técnico e tem profundas consequências práticas:
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Situação Atual (Código Florestal): A LAC já existe, mas sua concessão pode (e em muitos estados, deve) ser precedida de vistoria do órgão ambiental para verificar a situação declarada pelo proprietário.
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A Mudança Proposta (PLs em tramitação): Os projetos em discussão buscam tornar a adesão um direito automático a partir da simples declaração do proprietário, sem qualquer verificação prévia. A análise do órgão ambiental só ocorreria depois, em caso de denúncia.
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O Risco Imediato: Isso criaria um “vácuo de credibilidade”. Uma fazenda “regularizada” automaticamente pode, na verdade, estar em área de desmatamento recente ou ilegal. Sem um selo de verificação oficial prévia, nenhum importador sério conseguirá atestar sua conformidade com as leis internacionais.
Fala do Especialista:
“Não se trata de ser contra a regularização, mas de como se faz. A ‘LAC automática’ desmonta a governança. Transforma um instrumento de regularização em um certificado de anistia emitido pelo próprio infrator, via auto-declaração. Para o mercado global, isso é um cheque sem fundos.” – Maurício Porto, Consultor em Comércio Exterior e Compliance Ambiental.
O MERCADO GLOBAL NÃO ESTÁ BRINCANDO – E JÁ AGIU
Ameaças não são futurologia; são fatos recentes.
O Caso Chinês (2023/2024): Conforme amplamente divulgado pela imprensa especializada (Bloomberg, Reuters), grandes traders internacionais como a Cargill e a Bunge tiveram cargas de soja e algodão brasileiros bloqueadas ou rejeitadas por importadores chineses. A causa: sistemas de monitoramento por satélite identificaram que parte da mercadoria veio de fazendas com desmatamento recente ou embargos ambientais. A China, signatária de princípios de diligência prévia, está respondendo à pressão de seu mercado interno e de investidores por sustentabilidade.
A Bomba-Relógio Europeia (Lei EUDR): Aprovada em junho de 2023, a Lei Europeia de Desmatamento Zero é categórica. A partir de 30 de dezembro de 2024, grandes empresas devem provar que commodities como soja e carne não vieram de terras desmatadas após 31/12/2020. A prova exige geolocalização precisa do lote de produção. Uma “LAC automática” brasileira, sem verificação estatal, não servirá como prova de conformidade perante a UE.
Dados do Tocantins (2023):
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Exportações totais do agronegócio: US$ 2.6 bilhões.
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China: Maior destino, comprou US$ 1.8 bi (principalmente soja).
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União Europeia: Segundo maior destino, comprou US$ 520 milhões (soja e carne).
Depoimento do Mercado:
“A conversa com os europeus mudou completamente. Eles não discutem mais preço ou prazo primeiro. A primeira cláusula do contrato agora é sobre a prova de conformidade com a EUDR. Se a lei brasileira criar um atalho que enfraqueça essa prova, eles simplesmente buscarão fornecedores em outros países. É uma decisão de risco corporativo, não ideológica.” – Diretor de negociação com operações no MATOPIBA, sob anonimato.
A BANCADA DO TOCANTINS NA LINHA DE FRENTE DO RISCO
Os deputados federais pelo estado não são meros coadjuvantes nesse processo. Eles são propositores e articuladores ativos:
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Filipe Martins (PL/TO): É relator do PL 1.337/2022 na Comissão de Agricultura. Seu parecer é favorável à flexibilização e é considerado um dos textos-base da ofensiva ruralista.
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Eli Borges (PL/TO): Vocal ativo na defesa da “desburocratização”, frequentemente atacando o que chama de “indústria da multa ambiental”.
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Alexandre Guimarães (MDB/TO) e Toinho (Republicanos): Líderes da bancada no estado, fazem a ponte entre as demandas de associações rurais locais e a articulação nacional da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária).
Estratégia e Discurso: O argumento central é o da “segurança jurídica para o produtor“. Afirmam que a burocracia e a discricionariedade dos órgãos ambientais travam a regularização e a produção. O que omitem, segundo analistas, é o cálculo político: a pauta ambiental é um dos principais campos de batalha simbólica contra o governo Lula. Uma derrota do Planalto nessa área seria uma vitória expressiva para a oposição.
Fala de um Analista Político:
“Eles estão queimando o futuro do próprio estado para acender uma fogueira política em Brasília. O agronegócio tocantinense é refém dessa narrativa. Os deputados aparecem como heróis para um nicho de eleitores rurais hoje, mas podem ser responsabilizados por uma crise econômica generalizada amanhã.” – Carla Lima, Cientista Política da Universidade Federal do Tocantins (UFT).
O CENÁRIO PARA O TOCANTINS – DA INCERTEZA AO COLAPSO
O estudo “Riscos Comerciais para o Agronegócio do MATOPIBA diante da EUDR“, encomendado por um consórcio de exportadores, elenca impactos:
Impacto Imediato (2025): Aumento de Custos e Exclusão.
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Cadeias sérias serão forçadas a criar sistemas de rastreabilidade privados e caros para isolar seus produtos do “risco TO”.
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Produtores associados a essas cadeias terão custos até 20% maiores.
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Produtores fora dessas cadeias ficarão excluídos do mercado premium europeu e sujeitos ao escrutínio chinês.
Impacto de Médio Prazo (2026 em diante): Isolamento Comercial.
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O estado pode ganhar a reputação de “alto risco ambiental” no exterior.
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Financiamento internacional para o agro tocantinense pode secar, pois bancos seguem critérios ESG (Ambiental, Social e Governança) rigorosos.
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Grandes traders podem reduzir ou realocar operações do Tocantins para estados com governança ambiental mais sólida (ex.: Mato Grosso, com o programa PCI Estadual).
Fala de um Produtor:
“É um tiro no pé. A gente concorre com Illinois (EUA) e com a Pampa Argentina. Eles estão se organizando para cumprir as regras do jogo. Enquanto isso, nossos representantes em Brasília querem mudar as regras do nosso campeonato, sem avisar o adversário. Vamos ficar fora da liga.” – Rogério Almeida, produtor de soja e algodão em Pedro Afonso (TO).
EXISTE UM CAMINHO PARA O TOCANTINS? (SIM, MAS NÃO PASSA PELA LAC FROUXA)
Especialistas apontam que a solução não está no atalho arriscado, mas no fortalecimento institucional:
Fortalecer o Naturatins: O estado precisa investir no órgão ambiental para que ele faça a vistoria prévia de forma ágil e técnica, emitindo um Certificado de Regularidade Ambiental com credibilidade. Esse certificado seria o “passaporte verde” para o mercado internacional.
Aderir a Programas de Conformidade: O Tocantins poderia buscar integrar-se a iniciativas como a Moratória da Soja (do Cerrado) de forma mais assertiva ou criar um Protocolo Estadual Verde, garantindo a compradores que a produção do estado é rastreável e limpa.




