A demarcação da TI Sawré Muybu, do povo Munduruku, se arrasta há mais de 13 anos e está parada desde 2013 pela Funai, que se recusa a publicar o relatório que confirma a ocupação tradicional dos índios no local e que daria prosseguimento ao processo demarcatório.
Agora, a sentença do juiz Ilan Presser, de Itaituba, acatando ação do Ministério Público Federal do Pará, obriga a Funai não só a prosseguir com a demarcação, como também a pagar indenização de R$ 20 mil revertidos em políticas públicas por danos aos Munduruku, pela demora no processo.
A TI, localizada próxima a Itaituba, no oeste do Pará, é um entrave ao projeto chamado de Complexo do Tapajós, que prevê a construção de pelo menos cinco grandes hidrelétricas nos rios Tapajós e Jamanxim. A primeira delas, São Luiz do Tapajós, causaria o alagamento da área de Sawré Muybu.
A sentença agora proferida declara que o alagamento é “incompatível com o arcabouço jurídico de normas, constitucionais e legais, de direito interno e internacional, protetivas dos povos indígenas”. O Artigo 231 da Constituição Federal que afirma ser vedada a remoção definitiva de grupos indígenas de suas terras.
“Essa decisão coloca diante de todos, sobretudo do governo federal, o fato de que existe sim um obstáculo constitucional para a construção de grandes empreendimentos na Amazônia, que, por sua vez, não podem ser pensados em desrespeito à legislação vigente. Além disso, ela reforça o dever do Estado brasileiro de proteger as populações indígenas e garantir a manutenção dos recursos naturais indispensáveis à existência desses povos, que possuem uma estreita relação com a natureza”, afirma Luís de Camões Boaventura, procurador da república em Santarém (PA). “É urgente que tenhamos uma visão de desenvolvimento e progresso que respeite os povos da floresta. Não pode ser chamado de progresso qualquer expediente que desconsidere esses povos – justamente os que mais serão impactados e os que têm visto seus direitos sendo aniquilados sistematicamente”, completa ele.
Em setembro de 2014, durante reunião com os Munduruku, a então presidente interina da Funai, Maria Augusta Assirati afirmou que o relatório que até hoje não foi publicado estava aprovado há meses, mas não tinha ido a público por envolver ‘outros interesses’ do governo.
“Diferentemente do Ministério das Minas e Energia, a Justiça Federal não está alheia ao descaso com que o governo Dilma vem tratando os direitos originários do povo Munduruku, e, ao determinar que a Funai dê prosseguimento ao processo de demarcação da TI Sawré Muybu, reafirma seu dever de zelar pelo cumprimento da Constituição brasileira”, afirma Danicley de Aguiar, da Campanha da Amazônia do Greenpeace.
A invasão de madeireiros e garimpeiros
A sentença destacou também as intervenções que estão ocorrendo dentro da terra indígena enquanto a demarcação não é oficializada, afirmando que a atuação de madeireiros, garimpeiros e a construção da usina de São Luiz está solapando os direitos originários dos Munduruku sobre suas terras.
Foi o que o Greenpeace mostrou durante sobrevoo com o cacique geral do povo Munduruku, Arnaldo Kabá, e o cacique de Sawré Muybu, Juarez Saw, além da jornalista Daniela Chiaretti, do jornal Valor Econômico, que registrou o fato em duas reportagens publicadas em abril.
No sobrevoo, realizado no final de março, eles puderam ver com os próprios olhos um gigantesco garimpo, conhecido como Chapéu de Sol, que rodeia um dos morros dentro da terra que seria dos índios. Também viram estradas e ramais madeireiros, comprovando as graves agressões ao seu território, que eles já haviam verificado durante a autodemarcação que estavam realizando de forma autônoma enquanto a demarcação oficial não era feita.
“A gente conserva a floresta andando nela, por terra, debaixo dela, e não só de cima, onde muitas vezes não dá para ver nada. A autodemarcação para nós é isso, é cuidar da floresta, impedir que tirem madeira e conservar os frutos e a caça”, afirmou Saw após o sobrevoo, mostrando que o direito à terra é fundamental para a sobrevivência de seu povo.
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Manifesto dos povos indígenas contra as hidrelétricas
Após reunião realizada na semana passada entre indígenas Munduruku, Kayabi, Apiaka, Rikbaktsa, afetados pela construção de hidrelétricas próximas a seus territórios, eles redigiram um manifesto conjunto que acusa os impactos que esses povos estão sofrendo e o não cumprimento da Consulta Prévia Livre e Informada, prevista na Convenção 169 da OIT (Organização Mundial do Trabalho), pelo governo federal.
“O governo constrói barragens com estudos apressados e incompletos, sem buscar entender as consequências da destruição da natureza para nossas vidas, autorizando o funcionamento das barragens sem dar uma resposta aos indígenas de como seguirão suas vidas sem peixe, sem água, sem caça. Tenta esconder seus impactos negativos sobre nossas vidas, nossos rios e nossos territórios. O governo não traz informações que entendemos, nas nossas aldeias e nas nossas línguas, não oferece alternativas para a nossa sobrevivência física e cultural”, diz trecho da carta. Veja a íntegra aqui.