O governo brasileiro publicou um decreto há poucos dias extinguindo a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) e autorizando a iniciativa privada a explorar partes dessa região, o que antes era restrito ao Estado. Embora a decisão tenha uma relação mais direta com a soberania, a preocupação ambiental acabou tomando conta da discussão.

Ocupando uma área de 46.450 km² entre os estados do Pará e Amapá, em plena Floresta Amazônica, a Renca foi instituída em 1984 pelos militares, com o objetivo de promover pesquisas públicas sobre a incidência de minerais naquela zona. Essas avaliações, segundo o decreto 89.404, seriam feitas exclusivamente pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), enquanto as concessões para exploração seriam dadas a empresas parceiras. A ideia, em termos soberanos, era a de guardar para o Estado o máximo dos benefícios provenientes da extração desses recursos. A preocupação com o meio ambiente não era uma prioridade na época. Mas, de lá pra cá, as pesquisas pouco avançaram.

Após anos de lentidão, o governo do presidente Michel Temer, ignorando parecer contrário do Ministério do Meio Ambiente, decidiu agilizar os trabalhos na região acabando com a reserva. Com decretos publicados nos dias 22 e 28 de agosto, o Planalto retirou a obrigatoriedade de ter o Estado como explorador único dos recursos daquela área, abrindo espaço para companhias privadas nacionais e também estrangeiras.

Nos mais de 4 milhões de hectares da Renca, estima-se que haja uma imensa quantidade de ouro, ferro, manganês, titânio e outros minerais de interesse estratégico. Atualmente, a mineração corresponde a cerca de 4% do PIB do Brasil, tendo produzido 25 bilhões de dólares em riqueza no último ano. Com essa nova abertura, o governo espera incrementar ainda mais o setor, atraindo novos investimentos, gerando mais empregos e mais renda. Alguns críticos, no entanto, afirmam que os ganhos seriam maiores se esses recursos permanecessem nas mãos do Estado.

A recente manobra realizada pela atual administração, que ainda esbarra em obstáculos jurídicos, se insere em uma tendência neoliberal que tem se apresentado como uma das principais marcas da gestão Temer. Outra marca também presente é a da flexibilização das políticas de meio ambiente, como destacou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AM) em entrevista à Sputnik:

“O governo caminha para uma ação de entrega do patrimônio nacional e desmedida desregulação e de exposição, na seara do lucro fácil de atividades que necessitariam da proteção do Estado, como seria a defesa da própria floresta”, disse ele, expressando o sentimento de muitos outros políticos também.

As duas implicações se confundem nas inúmeras manifestações de desaprovação vistas até agora, dentro e fora do Brasil. Nas redes sociais, várias personalidades conhecidas e usuários em geral vêm demonstrando sua aversão à medida, principalmente sob a hashtag #TodosPelaAmazonia.

Temer quer destruir a Amazônia?

O presidente Michel Temer está sendo acusado por seus opositores de acabar com reservas ambientais e territórios indígenas para agradar a bancada ruralista no Congresso, uma das principais forças da sua base. Na verdade, o segundo decreto do governo (9.147), que revoga o primeiro, menos detalhado, não prevê a extinção de nenhuma das sete unidades de conservação da natureza ou das duas terras indígenas demarcadas que estão dentro da Renca e que respondem pela maior parte da reserva. No entanto — e aí está a preocupação de muitos especialistas —, abre brechas para a exploração em alguns desses locais, ao dizer, no seu artigo 3º, que podem ocorrer “autorização de pesquisa mineral, concessão de lavra, permissão de lavra garimpeira, licenciamento e qualquer outro tipo de direito de exploração minerária” quando previstos nos planos de manejo.

A princípio, a abertura à atividade minerária só afetaria cerca de 30% de toda a Renca. Mas, quatro dessas unidades de conservação são classificadas como “áreas de uso sustentável dos recursos”. Em duas, a mineração já foi descartada, mas uma (Floresta Estadual do Paru) libera a atividade em algumas partes e a outra (Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Irataputu) ainda não tem um plano de manejo definido.

Fora essas exceções, ambientalistas também apontam para o risco das consequências de outras ações que vêm sendo adotadas ou discutidas na área ambiental, que, em conjunto, podem fazer grandes estragos, como o projeto de lei, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), que pretende autorizar a atividade mineradora em terras indígenas, e a chamada MP da grilagem, que, de acordo com críticos, estimula invasões e desmatamentos.

Desmatamento voltou a crescer na Amazônia nos dois últimos anos
WILSON DIAS/AGÊNCIA BRASIL/FOTOS PÚBLICAS

No caso da Renca, outro problema preocupante, segundo o coordenador de Políticas Públicas do WWF-Brasil, é a possibilidade de o governo reduzir limites de unidades de conservação ou alterar suas categorias, de forma a permitir a mineração.

“O que a gente defende é que qualquer alteração de categoria ou limite das unidades de conservação seja feito por PL, passando pelas comissões, para que a gente possa ter acesso a essas informações, acompanhe a discussão e tenha audiências públicas. No caso da Renca, eles dizem que discutem o projeto desde 2015, mas a gente nunca foi incluído, nem mesmo as comunidades indígenas foram convidadas, muito menos os extrativistas. A gente tinha rumores que sairia, mas só tivemos a certeza quando saiu o decreto”, disse Michel de Souza em entrevista ao HuffPost Brasil.

Por último, sem esgotar o debate, opositores às medidas recentemente anunciadas apontam também para consequências de ordem migratória e de poluição. Para eles, mesmo que as áreas protegidas não sejam diretamente exploradas, elas podem ser afetadas pela degradação da qualidade da água e do ar, aumento repentino da população em zonas de floresta e até crescimento de garimpos ilegais, um dos problemas que o governo diz querer combater com a extinção da reserva.

Impasse

Após uma série de contestações e protestos, a Justiça Federal em Brasília decidiu suspender o efeito de “todo e qualquer ato administrativo tendente a extinguir a Reserva Nacional do Cobre e Associados”, alegando que tal ação só poderia ser feita por meio de lei, passando pelo parlamento.

Na última quarta-feira, 30, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, foi escolhido para ser o relator da ação movida pelo PSOL contra o decreto de Michel Temer que acaba com a Renca. Em seguida, o magistrado informou que o presidente da República terá dez dias para explicar o documento.

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